domingo, 14 de dezembro de 2025
sábado, 13 de dezembro de 2025
Trump
deixa clã Bolsonaro 'à deriva', diz analista americano
A decisão do
presidente americano Donald Trump de revogar a sanção a Alexandre de Moraes sob
a Lei Magnitsky representa "uma virada", na avaliação
do brasilianista Brian Winter, editor da revista Americas Quarterly.
"É
um abandono total da estratégia que foi anunciada no 9 de julho, que já vinha
sendo modificada, mas agora é uma virada em 180 graus", disse à BBC News
Brasil Winter, referindo-se à data em que mais tarifas contra o Brasil foram
anunciadas por Trump.
Para o
americano, Trump sempre mudará sua estratégia caso ela não esteja funcionando.
Segundo
Winter, o começo dessa virada de Trump ocorreu quando ele se
encontrou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em Nova York, na
Assembleia Geral da ONU.
"Hoje
é uma confirmação total de como se nada tivesse acontecido."
"Ele
quis ajudar um aliado [Jair Bolsonaro], porque é um presidente que acha que na
América Latina ele tem o direito de ajudar abertamente seus parceiros
ideológicos, e ele continua fazendo isso", diz.
"A
eleição em Honduras é
um sinal claro disso. Ele também atuou para ajudar o Milei na eleição
[legislativa] argentina em outubro."
Winter
afirma que essa mudança agora não significa uma desistência em ajudar os
aliados.
"Mas
é evidente que ele decidiu que, por enquanto, não tem como ajudar a família
Bolsonaro", afirma. "Ele está deixando a família Bolsonaro à
deriva."
Nesse
sentido, a suspensão
de algumas tarifas sobre produtos brasileiros que o presidente
americano anunciou mostra que os impactos delas são mais domésticos que
políticos, segundo Winter.
"Por
um lado, ele abandonou ou modificou as tarifas porque estava tendo um impacto
na inflação, especialmente em áreas muito sensíveis, que é o café e a carne.
Isso explica a decisão de ampliar a lista de exceções", diz.
"Mas
a decisão da Lei Magnitsky agora é um sinal de que as conversas estão avançando
com o governo brasileiro em outras áreas", diz.
Uma
suspeita é que o tema das terras raras
— elementos que não são exatamente raros, mas sim de difícil exploração,
presentes em produtos como celulares, telas, turbinas eólicas e carros
elétricos — possa ter relevância, segundo ele.
O
Brasil tem uma quantidade significativa de terras raras e minerais em seu
território.
"Usar
a Magnitsky para o Moraes foi grave, porque gerou um certo barulho político nos
EUA no âmbito doméstico. Abandonar essa decisão é um sinal de outras
possibilidades de colaborações com o governo Lula", avalia o americano.
A Lei
Magnitsky é uma das mais severas disponíveis para Washington punir estrangeiros
que considera autores de graves violações de direitos humanos e práticas de
corrupção.
Alexandre
de Moraes se tornou a primeira autoridade brasileira a ser punida sob a
lei, quando foi
sancionado em 30 de julho.
Em
discurso em 1º de agosto, Moraes comentou a decisão do governo americano,
durante cerimônia de abertura do segundo semestre do Judiciário.
"Esse
relator vai ignorar as sanções que foram aplicadas e continuar trabalhando como
vem fazendo, tanto no plenário quanto na Primeira Turma, sempre de forma
colegiada", afirmou.
A
esposa de Moraes, a advogada Viviane Barci, também teve nesta sexta-feira seu
nome retirado da lista de punidos pela Magnitsky — ela havia sido
sancionada em setembro.
Segundo
fontes ouvidas pela BBC News Brasil, a decisão do
governo Trump atende a um pedido direto de Lula para que Trump retirasse as
sanções contra Moraes.
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Eduardo Bolsonaro recebe notícia com 'pesar'
O
deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho de Jair Bolsonaro que atuou
junto ao governo americano para a imposição de sanções ao Brasil e a Moraes,
lamentou a decisão.
"Recebemos
com pesar a notícia da mais recente decisão anunciada pelo governo dos EUA.
Agradecemos o apoio demonstrado pelo presidente Trump ao longo deste processo e
a atenção que dedicou à grave crise de liberdades que afeta o Brasil",
escreveu Eduardo, em nota publicada no X (antigo Twitter).
"Esperamos
sinceramente que a decisão do Presidente @realDonaldTrump seja bem-sucedida na
defesa dos interesses estratégicos do povo americano, como é seu dever. Quanto
a nós, continuaremos trabalhando com firmeza e determinação para encontrar um
caminho que permita a libertação de nosso país, pelo tempo que for necessário e
apesar das circunstâncias adversas", completou o deputado, que vive nos
EUA desde fevereiro e corre o risco de ter o mandato cassado por faltas.
Em
novembro, o STF tornou Eduardo Bolsonaro réu por coação no curso do processo,
por articular sanções contra o Brasil e autoridades brasileiras, na tentativa
de influenciar o julgamento de seu pai.
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Moraes diz que 'verdade prevaleceu'
Em um
evento no canal SBT News, Alexandre de Moraes disse que 'a verdade prevaleceu'
e agradeceu ao presidente Lula por seu empenho.
"A
vitória da democracia. O Brasil chega hoje, quase final de ano, o Brasil chega
dando exemplo de democracia e força institucional a todos os países do mundo. E
isso também muito graças à liberdade de imprensa."
No
mesmo evento, o presidente Lula disse que Trump deu um 'presente' a Moraes.
"O
Trump deu de presente pra ele [Moraes] o reconhecimento de que não era justo um
presidente de um outro país punir um ministro da Suprema Corte brasileira
porque estava cumprindo a Constituição brasileira."
Lula
afirmou ainda que, na conversa que teve com Trump, o presidente americano teria
perguntado se a revogação seria boa para ele.
"Eu
falei não é bom pra mim. É bom pro Brasil e pra democracia brasileira."
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'Lei da anistia'
O
governo americano atribuiu a retirada das sanções contra Moraes e sua esposa à
aprovação na Câmara do projeto de lei que reduz as penas dos condenados por
tentativa de golpe, que pode beneficiar Jair Bolsonaro.
Em nota
enviada à BBC News Brasil, um oficial do governo Trump disse que "os EUA
veem a aprovação de um importante projeto de lei de anistia pela Câmara dos
Deputados do Brasil como um passo na direção certa, indicando que as condições
de lawfare estão melhorando no país".
Lawfare
é um termo em inglês que combina as palavras "law" (lei) e
"warfare" (guerra) e significa o uso de instrumentos legais para se
atacar politicamente uma pessoa.
A nota
diz ainda que manter sanções como as contra Moraes é "inconsistente com os
interesses da política externa dos EUA".
Na
quarta-feira (10/12), deputados aprovaram o projeto de lei da Dosimetria, que
reduz as penas dos condenados pelos crimes relacionados aos ataques de 8 de
janeiro, entre eles Bolsonaro. O projeto será agora apreciado pelo Senado.
Na
quinta, antes da retirada das sanções, o vice-secretário de Estado dos EUA,
Christopher Landau, já havia elogiado a aprovação da lei pela Câmara.
"Os
Estados Unidos têm expressado consistentemente preocupação com as tentativas de
usar o processo legal para instrumentalizar as diferenças políticas no Brasil
e, portanto, saúdam o projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados como um
primeiro passo para combater esses abusos. Finalmente, estamos vendo o início
de um caminho para melhorar nossas relações", escreveu Landau no X.
¨
Bolsonaristas falam de 'traição' e 'decepção' com
Trump
A decisão do
governo americano de retirar o ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Alexandre de Moraes e sua esposa, Viviani Barci de Moraes, da
lista de sanções da Lei Magnitsky gerou
reações entre aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Alguns
parlamentares da oposição que se manifestaram nas redes sociais criticaram o
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, dizendo que se sentiam traídos e
decepcionados.
"O
sentimento, não escondamos, é de traição. Certamente o preço cobrado por Trump
não foi baixo, e em breve saberemos se Lula ofereceu as terras brasileiras ou o
apoio na queda de Nicolás Maduro", disse o vice-líder da oposição na
Câmara, o deputado federal Maurício Marcon (Podemos-RS), em uma publicação no
X.
"Trump
pensou nos EUA, com seu slogan 'American First'", acrescentou.
O
deputado Carlos Jordy (PL-RJ) disse que a Lei Magnitsky foi
"banalizada" por Trump e que o presidente americano é uma
"grande decepção".
"Não
existe 'ex-violador de direitos humanos'. Infelizmente colocamos esperanças em
alguém que só queria negociar. Uma grande decepção com o presidente americano e
uma enorme lição para nós: não terceirizemos nossa responsabilidade",
declarou.
O
deputado Rodrigo Valadares (União-SE), também fez críticas, dizendo que "o
sistema se fechou em si e nos seus próprios interesses" apesar do
"sacrifício" de Eduardo Bolsonaro.
A
retirada das sanções, anunciada nesta sexta-feira (12/12), era defendida pelo
governo brasileiro em conversas mantidas com interlocutores da administração
norte-americana.
Em uma
publicação no X, a ministra-chefe da Secretaria de Relações Institucionais,
Gleisi Hoffmann (PT), atribuiu a decisão a uma vitória do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT).
"Foi
Lula quem colocou esta revogação na mesa de Donald Trump, num diálogo altivo e
soberano", afirmou.
"É
uma grande derrota da família de Jair Bolsonaro, traidores que conspiram contra
o Brasil e contra a Justiça".
As
sanções contra Alexandre de Moraes foram impostas em julho, em meio às pressões
do governo americano para tentar influenciar o julgamento de Jair Bolsonaro por
tentativa de golpe de Estado.
Em
setembro, a esposa de Moraes também foi incluída na lista, assim como a empresa
administrada por ela e pelos três filhos do casal.
Na
época, o deputado federal Eduardo
Bolsonaro (PL-SP) disse que estava trabalhando para que isso acontecesse,
e que a sanção era uma pressão por anistia
Na
tarde desta sexta-feira, pouco depois do anúncio do fim das sanções, Eduardo se
manifestou sobre o assunto.
Em uma
publicação no X, o parlamentar divulgou
uma nota conjunta com o influenciador Paulo Figueiredo. Eles
disseram receber com "pesar" a notícia, mas que eram "gratos
pelo suporte dado pelo presidente Trump demonstrado durante este processo e
pela atenção que ele deu a esta séria crise de liberdade afetando o
Brasil"
Eduardo
e Paulo Figueiredo foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República por
articular as sanções para tentar influenciar o julgamento de Jair Bolsonaro. No
mês passado, o parlamentar se tornou réu em
um processo no STF por coação no curso do processo.
Seguindo
a linha de Eduardo, o líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante
(PL-RJ) também agradeceu a Donald Trump pela "ajuda", disse que a
aplicação da Lei Magnitsky "abriu janela para o Brasil" e que restava
aos brasileiros, agora, fazer sua parte.
"A
guerra para tirar a suprema esquerda do poder no Brasil será nossa, dos
brasileiros", escreveu.
"Ou
o Brasil reage agora, ou normaliza o autoritarismo togado."
O
deputado Mario Frias (PL-SP) pediu que as pessoas não buscassem culpados e
também "não colocassem mais lenha na fogueira".
"Quem
mais sofre ncesse processo são os inocentes que são presos políticos e o
próprio presidente Bolsonaro. Como ele já disse certa vez: não é o fim",
afirmou.
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Em evento, Moraes e Lula comentam decisão do governo americano
Tanto
Alexandre de Moraes quanto Lula participaram nesta sexta-feira do evento de
lançamento do canal SBT News.
Ao
discursar, Moraes agradeceu a Lula pelo "empenho" em demonstrar a
"verdade" relativa à sua situação e à de sua esposa.
"A
verdade, com o empenho do presidente Lula e de toda a sua equipe, a verdade
prevaleceu", disse Moraes em evento de lançamento do SBT News, onde Lula
também estava.
O
ministro do STF disse que o anúncio desta sexta-feira foi resultado de uma
"tripla vitória" — do Judiciário, que "não se vergou a
ameaças"; da soberania nacional; e da democracia brasileira.
"O
Brasil chega hoje, no quase final de ano, dando exemplo de democracia e força
institucional a todos os países do mundo", disse Moraes.
O
magistrado contou ainda que, em julho, pediu a Lula que não tomasse qualquer
medida contra a decisão americana, porque a "verdade" prevaleceria
quando chegasse ao conhecimento das autoridades norte-americanas.
No
mesmo evento, Lula brincou que Moraes ganhou de Trump um presente, já que o
ministro fará aniversário neste sábado (13).
O
presidente relatou que conversou na semana passada com Trump, que teria
perguntado se a retirada das sanções seria positiva para Lula.
"É
bom para você?", perguntou Trump, segundo Lula.
"Não
é bom para mim, é bom para o Brasil e é bom para a democracia brasileira. Aqui,
você não está tratando de amigo pra amigo. Você está tratando de nação pra
nação. E a Suprema Corte para nós é uma coisa muito importante, Trump",
respondeu o presidente brasileiro, de acordo com seu relato no evento do SBT
News.
Segundo
os jornais O Globo e Folha de S. Paulo, Lula enviou uma mensagem direta ao
presidente Trump agradecendo pela retirada das sanções.
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Reação da base do governo
Parlamentares
da base do governo viram a retirada da sanções como uma derrota do
bolsonarismo.
"É
uma vitória da diplomacia de Lula e uma prova de solidez da nossa democracia.
Expõe o fracasso da campanha bolsonarista de tentar deslegitimar o Brasil no
exterior e atacar a nossa soberania", afirmou o senador Humberto Costa
(PT-PE) nas redes sociais.
O líder
do PT na Câmara dos Deputados, Lindbergh Farias (PT), chamou a medida de uma
"derrota histórica dos traidores da pátria que tentaram negociar sanções
internacionais, revogação de vistos, tarifas e a chamada 'pena de morte
financeira' contra o ministro".
Já o
deputado federal Zeca Dirceu (PT-PR) atribuiu a vitória à "química"
entre o presidente Lula e Trump, fazendo referência a uma fala do presidente
americano, durante a Assembleia Geral da ONU, de que havia uma
"química excelente" entre ele e o líder brasileiro.
"Nova
vitória da diplomacia do presidente Lula. Química continua produzindo bons
resultados", afirmou o parlamentar.
Fonte: BBC
News Brasil
Valerio
Arcary: A anomalia brasileira
O
Brasil é a nação mais injusta do mundo. Mas é, também, uma sociedade
fascinante. Temos a grandeza da Amazônia e o encanto de um povo diverso em uma
nação jovem, o samba, o Rio do Janeiro e Villa-Lobos, o Pantanal, as montanhas
de Minas, Chico Buarque, a maior classe trabalhadora do sul do planeta e tudo o
mais, que é, maravilhosamente, muito, e não cabe em palavras.
Mas se
o Brasil é lindo é, também, monstruoso. A anomalia brasileira é o grau muito
elevado de desigualdade social. É, especialmente, inusitado no mundo quando
comparado com sociedades que estão em estágios equivalentes de desenvolvimento
econômico, ou até inferiores. Há países em que a pobreza é maior, até muito
maior, mas somente algumas poucas nações africanas têm índices de concentração
de renda superiores aos do Brasil. O caso brasileiro é único.
Há algo
extraordinariamente anormal nesta peculiaridade do capitalismo periférico no
Brasil. O índice de Gini do rendimento domiciliar per capita atingiu 0,506 em
2024, e é o pior da América Latina. O Brasil tem aproximadamente 433 mil
milionários em dólares. A renda dos 10% mais ricos foi 13,4 vezes maior que a
dos 40% mais pobres em 2024.
A
população em situação de pobreza – R$ 694 por mês ou US$6,85 por dia – recuou
de 27,3% em 2023 para 23,1% em 2024, mas oscila em torno de 50 milhões. A
extrema pobreza caiu de 4,4% para 3,5% da população, mas ainda penaliza mais de
sete milhões. A concentração de renda cresce, exponencialmente nos 1%, e pior
entre os 0,1%. Esta excepcionalidade exige uma explicação. Por quê?
Na
reacionária e desconcertante tradição política brasileira os líderes da classe
dominante sempre desconsideraram a desigualdade social e, eventualmente,
defenderam que o importante seria o crescimento para reduzir a pobreza. Mas há
várias interpretações distintas para a iniquidade no pensamento ou ideologia
social burguesa.
Grosso
modo há cinco argumentos diferentes, embora não excludentes: (i) a hipótese
liberal doutrinária naturaliza a desigualdade social, mesmo sendo grotesca,
como inevitável, porque as pessoas teriam capacidades diferentes, algumas
maiores do que outras, e não seria possível igualdade social sem destruição da
liberdade individual; (ii) a hipótese neoliberal dominante argumenta que a
produtividade do trabalho é baixa porque as massas têm muito pouca instrução, e
a elevação dos salários provocaria um choque de demanda incapaz de ser
satisfeito pela oferta provocando uma espiral superinflacionária.
(iii)
Outra versão neoliberal avalia a desigualdade como efeito colateral da inovação
e competição, e que não seria possível reduzi-la sem taxas de crescimento
econômico mais elevadas, mas o condiciona à atração de investimentos
estrangeiros que não são possíveis sem redução do “custo Brasil”; (iv) uma
quarta posição defende a equidade, ou igualdade de oportunidades contra a
redução da igualdade social pela intervenção do Estado, denunciada como
assistencialismo, porque explica a permanência da iniquidade pelo peso
desproporcional da carga fiscal e agigantamento do Estado pela ampliação dos
serviços públicos, inibindo a competitividade da iniciativa empresarial
microempreendedora; (v) a última defende que a iniquidade é condicionada pelo
atraso econômico-social-cultural da nação, e a socialização da pobreza faria do
Brasil uma nova Venezuela ou Cuba.
Na
tradição de esquerda são consideradas, também, várias hipóteses. Em primeiro
lugar os fatores histórico-sociais: (a) não existiu nunca uma sociedade
capitalista sem desigualdade social, porque é inerente ao sistema a perpetuação
da exploração dos trabalhadores pela extração de trabalho não pago, a
mais-valia, revelada pela investigação de Marx desde o século XIX.
(b) Mas
o capitalismo brasileiro foi desde o início da colonização uma
excepcionalidade, não só porque prevaleceu a escravidão durante 350 anos, mas
pela escala sem comparação no mundo, o maior destino de negros africanos no
cativeiro, como revelada pelas obras de Caio Prado e Clóvis Moura; (c) outro
distintivo do capitalismo periférico no
Brasil foi que perpetuou até o século XX o latifúndio e, mesmo depois da
abolição, nunca aceitou uma reforma agrária, condenando a imensa maioria do
povo à exclusão do direito de propriedade da terra, como denuncia João Pedro
Stédile.
(d) A
singularidade histórica do Brasil tem sido o racismo e machismo estruturais, e
a discriminação ininterrupta da população negra e feminina explicam as
condições especiais de superexploração do trabalho, alertada por Rui Mauro
Marini e Silvia Federici; (e) a peculiaridade da transição histórica tardia do
mundo agrário para a urbanização hiper acelerada, realizando uma passagem em
apenas duas gerações equivalente ao que os países centrais fizeram em cinco
séculos, foi a manutenção de um grau brutal de desigualdade social sobre a
maior classe trabalhadora da periferia, assegurado por sucessivos regimes de
ditadura.
A
elaboração da esquerda não diminui os fatores histórico-sociais, mas agrega os
econômico-políticos: (i) as vantagens comparativas do Brasil, que foi o maior
destino de investimentos estrangeiros no mundo, do fim da Segunda Guerra
Mundial até o fim do século XX , à excepção dos movimentos de capitais entre os
Estados da Tríade – EUA, Europa Ocidental e Japão – foram a abundância de
matérias-primas, a disponibilidade de um enorme proletariado, a escala do maior
mercado interno de consumo de bens duráveis, e a relativa estabilidade do
domínio político burguês, mas este domínio imperialista pressionou a
perpetuação da iniquidade.
(ii) A
burguesia brasileira é a mais rica e poderosa no hemisfério sul e desenvolveu
uma cultura de exercício do poder político para contornar divisões internas que
garantiu, diante da maioria das crises, transições concertadas e só,
excepcionalmente, rupturas, atraindo para a defesa de sua dominação a maioria
das camadas médias.
(iii) A
classe média histórica de origem na imigração europeia desfrutou de um processo
de mobilidade econômica ascendente ao longo de quatro gerações, e usufruiu de
um estatuto social tão privilegiado pela branquitude, quando comparado com as
condições desumanas de exploração das massas, em sua maioria negras, que só
muito raramente se aproximaram da reivindicações populares.
(iv)
Esta relação estrutural de forças desfavorável para os trabalhadores foi
invertida em alguns poucos, mas extraordinários e imponentes processo de luta,
como após a derrota do nazifascismo em 1945, após a vitória da revolução cubana
em 1959, na fase final da luta contra ditadura militar até o final dos anos
oitenta, quando se construíram o PT, CUT, MST e UNE. (v) Desde o fim da
ditadura, quarenta anos atrás, as cinco vitórias eleitorais de Lula e Dilma
Rousseff abriram o caminho para algumas reformas niveladoras justas, como o
Bolsa-Família, mas insuficientes para mudar, qualitativamente, o grau de
injustiça estrutural do capitalismo brasileiro, porque foram preservados os
dogmas neoliberais do tripé de superávit fiscal, metas de inflação e câmbio
flutuante para tranquilizar os credores da dívida interna, além de um sistema
tributário concentrado no consumo, poupando a renda e patrimônio, e as
condições de precariedade que condenam 40 milhões à informalidade.
Não
restam dúvidas que prevaleceu, entre 2004 e 2014, portanto, durante dez anos,
uma tendência lenta, contudo, consistente de redução da pobreza, associada a
outra tendência, menos vigorosa, de redução da desigualdade social,
especialmente, entre os assalariados. Entre 2016 e 2022, em função das derrotas
acumuladas desde o golpe institucional que levou Michel Temer à presidência e
favoreceu a eleição de Jair Bolsonaro a dinâmica progressiva anterior foi
invertida, mas depois da eleição de Lula voltou a se afirmar, e o Brasil saiu
do mapa da fome.
Mas é
incontroverso que os limites das reformas do lulismo são muito grandes.
Permanece irrefutável que diminuiu a iniquidade, mas tão pouco e tão lentamente
que é exasperador. Por quê? Quando ocorreu o ciclo de recuperação da atividade
econômica entre 2004/2013, a pressão da demanda de mão de obra pressionou para
cima o salário médio das ocupações com menor qualificação.
Este
processo só foi possível enquanto a conjuntura econômica internacional, puxada
pelas importações da China, beneficiou o crescimento no Brasil com a
valorização das commodities, invertendo as condições dos termos de troca, o que
antes da década passada só tinha acontecido quando das duas guerras mundiais,
garantindo a acumulação de reservas e o controle da inflação.
Confirmou-se
forte correlação entre crescimento econômico no Brasil e no mundo. A
globalização, ou seja, a maior internacionalização de capitais, favoreceu uma
sincronização, relativa, do ritmo dos ciclos econômicos. As conquistas do
reformismo fraco repousaram, essencialmente, na pressão gerada pela redução do
desemprego.
É
verdade que o Brasil passou por transformações nos últimos quarenta anos, que
correspondem ao período do regime democrático-eleitoral, após a queda da
ditadura. Algumas mudanças foram progressivas, como, por exemplo, a diminuição
para metade dos brasileiros que estavam em estado de indigência, ou a
duplicação da taxa de jovens matriculados no ensino médio.
Mas,
foi pouco e muito dependente de um crescimento indivisível da reprimarização
liderada pelo agronegócio. O país permanece uma anomalia.
¨
Luiz Marques: A aventura da democracia
Cidadãos
de Atenas nos séculos V e IV a.C. inventam a democracia e lhe dão a acepção que
não coincide com a atualidade: ontem se cobrava participação; hoje obediência à
representação. “A democracia representativa moderna muda a ideia de democracia
a ponto de fazê-la irreconhecível, deixando de ser a ideia relacionada aos
irremediáveis perdedores da história para se identificar com os contumazes
vencedores”, diz o professor da Universidade de Cambridge, John Dunn, em A
história da democracia: um ensaio sobre a libertação do povo.
Na
antiguidade, participar da esfera pública não é um direito; é uma obrigação
cívica. Considera-se quem privatiza a vida alguém inútil. O debate não bloqueia
a ação; instrui a hora de agir. A inusitada comunidade política deixa de fora o
sexo feminino, os escravos e os estrangeiros (metecos). O projeto
retrata as limitações ideológicas da época. Calcula-se em cem mil o contingente
de cidadãos livres, um terço com cidadania plena por ascendência de várias
gerações; quarenta mil mulheres e crianças; e cento e cinquenta mil
escravizados majoritariamente no campo.
A
liberdade política serve de assoalho para a igualdade dos livres na polis, onde
a existência social é repleta de satisfação. A democracia mantém os ricos sob
controle para enaltecer o valor da isonomia. “As pessoas não querem um bom
governo no qual sejam escravas; elas querem ser livres e governar”, sublinha
Péricles no Discurso aos gregos mortos na guerra do Peloponeso.
O
compartilhamento de valores, ideais e perspectivas em movimento (camponeses,
artesãos) faz as disputas pelo interesse público serem vibrantes. Os
parlamentos modernos, com a receita anódina de acordos, em nada lembram o
entusiasmo dos que assumem a parrhesia (“pan” / tudo, rhema /
o dito) para pregar com franqueza e responsabilidade a verdade.
O que
derrota a empreitada de 175 anos não são os fatores endógenos, os ódios de
classe, e sim o poder militar do reino da Macedônia. A condenação à morte de
Sócrates por uma corte colegiada é a mancha na honra da democracia. Atribui-se
ao acontecimento a ojeriza demonstrada por Platão ao participacionismo.
Na
filosofia clássica, Aristóteles opta pelo governo correspondente à politeia:
mistura constitucional equilibrada entre uma oligarquia (governo de poucos, com
posses) e uma democracia (governo de muitos, em especial pobres). Governantes
de classe média assegurariam a virtuosa gestão no interesse de todos cidadãos.
A politeia tem sentido normativo. Em doses homeopáticas,
alguns sábios rejeitam a democracia direta pura.
Na
Revolução Americana (1776), o termo democracia não aparece. A terminologia não
é do agrado dos fundadores dos Estados Unidos: George Washington, Thomas
Jefferson, Benjamin Franklin, John Adams, James Madison, Alexander Hamilton e
John Jay. A designação evocativa é adotada em retrospecto, com o conveniente
esquecimento da supressão das liberdades individuais e coletivas durante 350
invernos. Coube ao historiador francês Alexis de Tocqueville escavar “a
democracia na América” sob a barbárie impiedosa e violenta do trabalho forçado,
em plantations.
O
princípio da representação no centro da república estadunidense difere da
democracia, na origem. A extensão territorial e a superpopulação são argumentos
correntes para ocultar o desestímulo à participação e evitar a formação de uma
maioria capaz de confrontar os privilégios dos poderosos proprietários. Os pais
da grande potência adotam diversos mecanismos para precaver a nação da
aplicação prática do direito a ter direitos.
O
conceito de democracia hiberna 2000 anos; desperta para a Revolução Francesa. A
experiência inflama a imaginação dos jacobinos. De novo, praças reúnem a
multidão para decisões de cunho público. O ápice ocorre ao pé da Avenue
Champs-Élysées, na Place Luís XV, depois Place de la
Révolution – onde o rei Luís XVI e Maria Antonieta perdem a cabeça
literalmente; até virar Place de la Concorde. No lugar exato da
temida guilhotina do Terror fica, agora, um portentoso obelisco egípcio.
Jacobinos
intuem a energia explosiva do frêmito democrático para detonar o poder da
aristocracia e erguer o igualitarismo. Enquanto aríete da política, a
democracia promove a Queda da Bastilha, em 14 de julho de 1789. Sob tal
concepção, a bandeira da participação popular é hasteada como fundamento da
legitimidade política. Os cantões comunais da Suíça são o que há de mais
próximo da configuração institucional de tipo ateniense. Aos trancos, a
história avança. Os títulos nobiliárquicos ou de servos cedem ao tratamento de
“cidadão”, credor de direitos frente o Estado.
Para
Maximilien de Robespierre: “A virtude pública produziu milagres na Grécia e
outros ainda mais incríveis na França republicana”. Prossegue. “A essência da
República ou da democracia é a igualdade… permite a uma pessoa priorizar o
interesse público ao invés dos interesses particulares”. Deve-se a Robespierre
a atração da democracia como fonte de poder. Se a virtude é tão necessária é
porque não faltam vilões no ancien régime. No nouveau
régime, idem. O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Órban, dissimula um
absolutismo recauchutado e envergonhado com um oxímoro, a “democracia
iliberal”.
A
democracia direta pauta a “vontade geral” rousseauniana. Séculos adiante, o
Orçamento Participativo (OP) – quando a esquerda governa Porto Alegre e o Rio
Grande do Sul – prova que as intervenções sociais diminuem as iniquidades. O
exercício democrático da autoridade combate as carências (saneamento básico,
transporte, postos de saúde, escolas). Os equipamentos urbanos reduzem
injustiças e resgatam o espírito comunitário dos construtores de utopias – os
espaços de criação para a fruição de sociabilidades alternativas na cidade e na
sociedade.
A
experiência, de certa maneira, se enquadra no que Robert Dahl denomina poliarquia. Governo
que aspira uma realidade inclusiva, com engajamento e pluralismo. O processo
cultural de democratização das deliberações é indeterminado e sempre
propositivo. Convive com a liberdade de expressão, associação, sufrágio
universal, partidos competitivos, eleições periódicas.
Não
promete o inalcançável Jardim do Éden ou a tranquilizadora Paz Perpétua, mas
oferece uma racionalidade à esperança no momento em que as nuvens recolhem
dados e informações para incrementar o consumo e controlar as mentes. O
antídoto reside em uma síntese entre um modelo de autogestão, a democracia
direta e a democracia representativa, com a última renovada nos propósitos e
estruturas por via de uma reforma política.
Na
Europa, o Estado de bem-estar social afunda. Nos Estados Unidos, o nó górdio
está na Casa Branca que maldiz a multipolaridade sem conseguir frear a
decadência do imperialismo. Na América Latina, a extrema direita invade o
Legislativo, em um ataque frontal à República, à democracia e à natureza. A
política na coleira privatizante da economia capitalista corrompe o bem comum e
saúda o egoísmo hiperindividualista.
A
Câmara Federal e o Senado priorizam interesses escusos. Ao término da COP-30, o
Congresso derruba 56 dos 63 vetos sopesados pelo presidente Lula à “PEC da
Devastação”, liberando o licenciamento ambiental e a necropolítica neoliberal.
O deputado Hugo Motta (Republicanos/PB) e o senador Davi Alcolumbre (União
Brasil/AP) elidem o significado da Independência do Brasil, no hino da Bahia.
Uma
injeção de soberania nacional e popular na veia contribuiria para seu
discernimento e qualidade, como homens públicos: “Nunca mais, nunca mais o
despotismo / Regerá, regerá nossas ações / Com tiranos não combinam /
Brasileiros, brasileiros corações”.
¨ O Brasil vive um
"estado de coisas golpistas". Por Lenio Luiz Streck
Sobre o
projeto golpista da “dosimetria”:
1. “Na
América Latina já não ocorrem golpes de Estado; é a democracia que vai se
deteriorando por dentro”, disse o jurista argentino Roberto Gargarella – e essa
tese foi e é festejada.
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2. Além
de ter sido dito antes da tentativa de golpe no Brasil, a tese falha também nas
críticas ao poder judiciário – de que ali está um foco de autoritarismo (ou
golpismo silencioso – algo nesse sentido).
3.
Portanto, está errado Gargarella. E se a tese é correta, o Brasil é, então, o
cisne negro da tese popperiana: se todos os cisnes são brancos, quando aparece
um cisne negro...”. O resto é sabido.
4. Indo
mais longe do Brasil, ouso dizer que, na América Latina, os legislativos são
golpistas. E explico: é neles que se ENCASTELAM AS OLIGARQUIAS. Todas as
grandes transformações sociais da A.L. vieram do executivo.
5.
Voltando ao Brasil, aqui o centrão (sic) subverteu o presidencialismo.
TOTALMENTE. Isso não é parlamentarismo. Porque mesmo no parlamentarismo o
executivo não perde o controle sobre o orçamento. AQUI, SIM. Por isso tanto
ódio ao STF, que questiona o orçamento secreto e o “paraíso das emendas” sem
fundo.
6. O
centrão quer libertar Bolsonaro. “Chega de tanta exigência republicana de
transparência”. Bom mesmo era um executivo fraco, capturado como nos tempos do
Bolsonaro.
7. A
extrema direita quer o STF pela pauta dos "costumes". O centrão quer
ter o poder de nomear e tirar ministros pelo controle do orçamento.
8.
Assim, O CENTRÃO SE UNE COM A EXTREMA DIREITA E SUBVERTE A DEMOCRACIA. Afinal,
como disse o Flávio 01, tudo tem um preço. Ah, isso tem, mesmo. Paulinho da
Força assinou o cheque.
9. Na
calada da noite, a Câmara aprovou o projeto “de não anistia-e-sim-dosimetria”
(a rosa perderia seu perfume se lhe trocassem de nome?). 10. O tal projeto é um
escândalo. Desenhado para Bolsonaro, “força” a aplicação do concurso formal em
um caso de concurso material já transitado em julgado.
11.
Beneficia Bolsonaro, Braga Neto etc. Espancando dúvida para quem pensava que a
generosidade parasse ali, tem mais: a remissão de pena para prisão domiciliar.
Quer dizer: o sujeito está doente - e só por isso vai para casa (o que já é
ilegal porque regime fechado não admite prisão domiciliar) - mas, em sua
residência, ele lê livros (sic) e ganha dias e dias de desconto. Consta que a
pena de Bolsonaro, em regime fechado, ficaria em pouco mais de 2 anos. A ver.
Os deputados esqueceram de estudar a jurisprudência sobre a matéria.
Aguardemos.
12. Mas
o importante nessa discussão não é a anistia tipo 1.0 chamada de “dosimetria”.
O QUE IMPORTA É QUE ESTAMOS EM MEIO A UM ESTADO DE COISAS GOLPISTA. Um golpismo
permanente. O golpe cotidiano. Que não vem mais do executivo; que não vem do
judiciário (que, ao contrário, está do lado da lei e do Estado Democrático) E ,
SIM, DO LEGISLATIVO. É ali que está o “é da coisa” ou “a coisa do que é”.
13. No
Brasil, o Legislativo faz um golpismo ruidoso – e não uma revolução por dentro.
Faz por fora, mesmo. “Às abertas”. Com emendas, anistias etc.
14. Eis
o estado da arte. Um Estado de Coisas Golpista.
15. A
literatura ajuda a compreender essa ânsia por atalhos, exceções e golpes (até
explícitos). Uma mistura de Suje-se Gordo (sem vírgula), de Machado e O Homem
que sabia javanês (quem seria o falso conde?), de Lima Barreto. Ou “O Herói
Discreto”, de Vargas Llosa. Podem escolher.
26.
Mas, o que fica, mesmo, é o plantão do golpismo.
Fonte:
A Terra é Redonda
O
dízimo é o milagre econômico de Jesus que salva os mais ricos e condena os mais
pobres
Dona
Maria Auxiliadora está há 35 anos servindo a Jesus dentro de uma igreja
evangélica. Durante esse período, ela peregrinou por algumas denominações até
que se “estabeleceu” na Igreja do Capitalismo Divino, onde, além de contribuir
fielmente com o seu dízimo, compra um caro suco de uva que é servido na santa
ceia da igreja e ainda participa de campanhas milagrosas que custam mais alguns
reais do seu apertado orçamento. Aos 79 anos de idade, dona Auxiliadora recebe
uma pensão de R$ 3.500,00 por mês, da qual ela paga o seu aluguel, as contas da
casa, faz o supermercado, ajuda um neto desempregado e, quando sobra alguma
coisa, ela come algo diferente ou faz um passeio para aliviar o estresse do dia
a dia.
Apesar
do sobrenome, a última coisa que dona Maria faz é auxiliar a si mesma.
Recentemente, a fiel evangélica precisou ser submetida a uma cirurgia de
emergência para retirada de um tumor no intestino e enfrentou algumas
dificuldades. Sem plano de saúde e sem condições de realizar exames em clínicas
particulares, ela foi obrigada a entrar na fila do SISREG em busca de
atendimento. Devido à urgência do seu caso e à idade um pouco avançada, dona
Maria entrou na lista de prioridades no atendimento e conseguiu realizar todos
os exames necessários, assim como a cirurgia que restabeleceu a sua saúde.
Glória a Deus? Não! Glória ao SUS!
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Observando
atentamente a história de dona Auxiliadora, comecei a refletir a partir de
alguns aspectos pelos quais ela — movida por uma fé em Jesus condicionada pelo
empresário dono da igreja que ela frequenta — não teria condições de refletir e
avaliar o estado de lobotomia religiosa no qual se encontra. A começar pela sua
renda de R$ 3.500,00, da qual ela precisa retirar obrigatoriamente R$ 350,00
(10%) todo mês para oferecer a Deus e garantir a sua salvação. O capitalismo é
selvagem, mas é religioso. Ô, glória! Dona Auxiliadora paga R$ 700,00 de
aluguel numa modesta casa de vila com quatro cômodos, em Guaratiba, zona
sudoeste do Rio de Janeiro, lá onde Judas perdeu as botas vendendo Jesus por 30
moedas de ouro, onde mora com seu neto desempregado.
Como
ela ainda não subiu aos céus para a glória eterna na companhia de Jesus, ela
precisa se alimentar. Afinal, saco vazio não para em pé. É inegável que os
preços dos produtos nos supermercados registraram uma queda, mas alguns itens
ainda continuam caros, e dona Maria precisa comer por trinta dias. Mesmo
descontando as horas de jejum que ela faz por semana, seguindo recomendações
religiosas, ela não consegue economizar tanto com a sua alimentação. Isto
posto, a nossa guerreira fiel gasta, em média, R$ 1.000,00 por mês com
supermercado. Até aqui, já registramos R$ 2.050,00 em despesas para dona
Auxiliadora pagar. Mas as obrigações financeiras não param por aí, e não há
milagre que faça as companhias de água, luz e internet deixarem de cobrar as
faturas pelos serviços prestados.
Dona
Maria abre os boletos como se estivesse abrindo um livro da Bíblia que ela
carrega a tiracolo para qualquer lugar que esteja indo e, para sua decepção,
não encontra o mesmo alento que nos textos sagrados. Se bem que muitos textos
da Bíblia nos causam muito mais aflição do que alívio. E assim está escrito no
livro da Light, capítulo do mês de novembro, versículo 219 kWh de consumo: R$
250,00. No livro da CEDAE, a profecia de consumo registra R$ 170,00, e no livro
da internet — já que dona Maria é uma das tias do zap que não pode ficar sem
wi-fi, porque precisa receber as notícias do mundo distópico em que vive — o
profeta Claro/Net a obriga ao pagamento de R$ 175,00 para que ela continue a
receber diretamente no seu celular vídeos de pastores efetuando curas
milagrosas e a alertando para que nunca deixe de dar o dízimo. Do contrário, a
sua vida estaria completamente condenada à miséria e ao inferno.
Até
aqui, R$ 2.455,00 já foram devorados pelos demônios dos impostos, e quando dona
Maria pensa que pode lhe sobrar R$ 1.005,00, ela se lembra de que precisa
comprar os remédios para pressão, colesterol, coração e reumatismo. Também se
lembra de que precisa “abençoar” o neto de 22 anos, que está desempregado e
precisa de dinheiro para terminar um curso que pode lhe garantir um emprego no
futuro. Mais R$ 300,00 do curso do neto e mais R$ 100,00 para ele comprar uma
calça, pois a única que ele tem está tão surrada que ele já está sendo chamado
de Jó no grupo jovem da igreja. E, de repente, surge uma campanha milagrosa na
igreja, onde os fiéis são convencidos a fazer uma doação especial que varia
entre R$ 100,00 e R$ 1.000,00 — lembrando que, quanto maior for a sua oferta,
maior será a bênção que Deus lhe dará em troca —, e dona Auxiliadora embarca de
cabeça na fé e na certeza de que, se ela oferecer tudo o que lhe restou de
pensão, Deus lhe dará em dobro.
O
resultado quase sempre não é o esperado, e dona Maria, que ainda está no décimo
oitavo dia do mês, não tem mais dinheiro nenhum no bolso. Fiquei pensando
nesses 35 anos em que ela contribui fielmente com 10% da sua renda todo mês
para que o reino do seu pastor seja próspero na terra. Imagine esse valor sendo
depositado numa conta poupança ou sendo investido na melhoria de suas condições
de vida. Certamente, dona Maria não teria precisado do SUS (que o seu pastor
costuma dizer que é assistencialismo de político endemoniado esquerdista) ou
teria alguma reserva para desfrutar uma velhice mais tranquila. No entanto, ela
é convencida de que o seu dízimo, e que toda oferta que ela dá para Deus, digo,
para o empresário dono da igreja que ela frequenta, faz o dinheiro que lhe
sobra render. Uma lógica que atribui a Jesus o caráter de um David Copperfield,
que, por meio do ilusionismo religioso, faz milagres financeiros na vida dos
fiéis.
Sem
contar que o dízimo pode ser considerado um dos fatores determinantes na
concentração de renda nas mãos de poucos privilegiados. Muitos pastores são
super-ricos e não pagam impostos, uma vez que seus bens são incluídos como
patrimônio da instituição religiosa que eles dirigem, e eles acabam sendo ainda
mais abençoados com a isenção tributária que a Constituição oferece às igrejas.
Tal concentração de renda nas igrejas impede que a economia seja movimentada em
outros setores e que os próprios fiéis movimentem suas vidas financeiras com
mais independência e dignidade. Ah, mas as igrejas fazem trabalhos sociais e
acabam se fazendo presentes onde o Estado se faz ausente. Bom! Se levarmos em
conta que todos os convertidos e recuperados nesses “projetos” hoje estão
contribuindo com 10% de seus salários na mesma igreja que os ajudou, chegaremos
à conclusão de que eles estão pagando pela ajuda recebida. No capitalismo, nada
é de graça. Nem a ajuda divina.
Enquanto
empresários da fé aumentam milagrosamente os seus patrimônios e adquirem
emissoras de TV, rádio, carros de luxo, jatinhos e aviões particulares, abrem
instituições financeiras e investem alto no lobby político que elege pastores e
afins para representarem o seu projeto de poder religioso nos parlamentos
brasileiros, muitas donas Marias que os seguem como ovelhas estão vendendo o
vinho para comprar o pão da santa ceia de suas casas. Uma covardia que, se Deus
existe — e eu ainda acredito na sua existência —, precisa ser cobrada e punida
em algum lugar do universo. Enquanto uns vivem pela fé, outros desfrutam do
lucro que a fé alheia lhes pode dar. Acho que podemos concluir que o dízimo é o
milagre econômico de Jesus que salva os mais ricos e condena os mais pobres.
Fonte:
Por Ricardo Nêggo Tom, em Brasil 247
Como
o machismo deixa 'cicatrizes' no cérebro das mulheres
Se você
já foi assediada na rua tarde da noite, certamente conhece a reação de estresse
que isso pode causar. Seus mecanismos de defesa podem ser ativados e deixar
você se sentindo fisicamente abalada e vulnerável.
Todas
as minhas amigas já tiveram essa experiência. E todas nós, em algum momento da
vida, já fomos para casa no escuro, segurando as chaves nas mãos.
Eu
mesma cheguei a ter aulas de caratê na universidade, para o caso de acontecer o
pior. E, com muito treino, aprendi a derrubar um oponente no chão e atingir o
ponto de pressão certo para causar dor.
Mas,
quando a atenção sexual indesejada não é uma ameaça direta, ela muitas vezes
passa ignorada, o que não significa que não haverá um efeito psicológico
duradouro.
Pesquisas
recentes indicam que os próprios atos diários de sexismo podem trazer
repercussões que atingem toda a vida e o próprio corpo das pessoas.
O
movimento pelos direitos das mulheres teve muito sucesso no século passado. Em
muitos países, a igualdade salarial, agora, é exigida em lei e a discriminação
sexual é ilegal.
O Reino
Unido já teve três mulheres primeiras-ministras e é cada vez mais comum
observar mulheres na liderança no país.
Mas
permanece a preocupação de que a igualdade de gênero tenha atingido um impasse
no mundo, ou até mesmo regredido. As estatísticas sobre a disparidade de gênero
nos salários ainda resistem e a violência contra as mulheres e meninas continua
a aumentar.
Globalmente,
os números são alarmantes. Quase uma em cada três mulheres afirma ter sido
submetida a violência física, sexual ou ambas.
E
existem as formas sutis de sexismo que podem invadir o dia a dia, como o
paternalismo, o menosprezo e o sexismo benevolente dos cumprimentos
aparentemente positivos em termos de gênero. Na verdade, eles estão ligados à
noção de que as mulheres são naturalmente mais gentis ou emocionais e os
homens, mais racionais ou dominantes.
Estas
noções estão enraizadas nos estereótipos de gênero, que podem prejudicar o
empoderamento feminino e "reforçar a posição subordinada das
mulheres".
Paralelamente,
nos Estados Unidos, um website governamental excluiu e alterou recentemente
informações sobre a saúde das mulheres, segundo um relatório da socióloga
Patricia Homan e seus colegas, da Universidade Estadual da Flórida, nos EUA.
"As
informações que foram acrescentadas reforçam o essencialismo do sexo biológico,
definindo o corpo das mulheres como fraco e necessitando de proteção,
enquadrando ainda as pessoas trans como uma ameaça", observa o resumo do
relatório, publicado na revista The Lancet.
O
conteúdo retirado do site se referia aos cuidados maternais e à saúde
reprodutiva. Ele incluía um link para o site
"reproductiverights.gov", agora inativo, que fornecia informações
sobre o acesso a medicações, contracepção, atendimento de emergência e serviços
de aborto.
O
Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos não respondeu ao
pedido de comentários enviado pela BBC, até o momento da publicação desta
reportagem.
Todos
estes são exemplos do chamado "sexismo estrutural", definido por
Homan como a desigualdade de gênero sistemática em termos de poder e recursos,
incorporada às nossas instituições sociais.
"Na
verdade, é questão das formas de desequilíbrio de poder, status e recursos
entre homens e mulheres", explica ela.
<><>
'Cicatriz' no cérebro
Não
surpreende que possa haver efeitos significativos para a saúde das mulheres,
que nem sempre são imediatamente visíveis.
Um
grande estudo analisou mais de 7,8 mil imagens cerebrais de pessoas de 29
países e concluiu que o desequilíbrio de gênero na sociedade altera fisicamente
o cérebro das mulheres.
A
pesquisa demonstrou que mulheres que vivem em países com maior desigualdade de
gênero apresentam menor espessura cortical em regiões do cérebro associadas ao
controle emocional, resiliência e distúrbios relacionados ao estresse, como
depressão e transtorno de estresse pós-traumático.
O
psiquiatra Nicolas Crossley, da Pontifícia Universidade Católica do Chile,
declarou em 2024, enquanto eu pesquisava para meu livro Breadwinners, que é
como se a desigualdade de experiências das mulheres "deixasse uma cicatriz
no cérebro".
O
motivo que leva às mudanças cerebrais causadas pelo estresse da desigualdade se
deve a um processo chamado plasticidade, que define como o cérebro se adapta às
nossas experiências e aprendizado.
Por
isso, Crossley explica que, se uma habilidade, como o malabarismo, causa
alterações sensíveis no cérebro, a experiência profunda e duradoura de viver em
uma sociedade que desvaloriza você terá um efeito de longo prazo, pois o
estresse crônico inibe a capacidade natural do cérebro de se adaptar.
Fundamentalmente,
os pesquisadores observaram que essas diferenças cerebrais são reduzidas em
países com maior igualdade de gênero e não foram encontradas no mesmo grau nos
homens. Mas eles também apresentaram maiores alterações cerebrais nos países
mais desiguais.
"Ou
seja, se você promover a igualdade de gênero, irá melhorar a saúde das
mulheres, com redução de custos para todos", explica Crossley.
Outras
pesquisas também observaram impactos à saúde mental causados pela discriminação
de gênero. Um estudo britânico concluiu que as mulheres que vivenciaram a
discriminação sexual apresentaram piora da saúde mental quatro anos depois.
O
estudo envolveu quase 3 mil mulheres e 20% delas relataram terem vivenciado
sexismo de diferentes formas, desde se sentindo inseguras em espaços públicos
até serem insultadas ou atacadas fisicamente.
Essas
mulheres apresentaram probabilidade três vezes maior de relatar distúrbios
psicológicos e menor satisfação com a própria vida.
"A
exposição repetida a experiências estressantes ao longo do tempo pode gerar
desgaste no corpo e essas alterações biológicas prejudiciais podem estar
relacionadas a prejuízos ao bem-estar mental", afirma a psicóloga da saúde
Ruth Hackett, do King's College de Londres.
Ela é a
principal autora do estudo e confirma as observações de Crossley, afirmando que
"isso só desgasta as pessoas".
Alguns
anos depois, Hackett realizou pesquisas complementares e encontrou resultados
parecidos em mulheres com mais de 52 anos de idade.
Aquelas
que relataram discriminação de gênero, como assédio ou tratamento menos
respeitoso, demonstraram declínio da sua saúde mental seis anos depois. Elas
apresentaram maior sensação de solidão, menor satisfação e queda da qualidade
de vida.
Tomados
em conjunto, estes resultados demonstram que os efeitos da discriminação de
gênero são duradouros.
Outros
estudos também demonstraram que as mulheres que moram em sociedades com maior
igualdade de gênero apresentam menores índices de depressão, da mesma forma que
mulheres em relacionamentos mais igualitários.
Além
das consequências à saúde mental, existe também uma questão maior, que é a
desigualdade de tratamento médico, em relação à saúde da mulher.
É bem
documentado na literatura científica que as preocupações com a saúde física das
mulheres são consideradas com menos seriedade na medicina.
Um
estudo concluiu que, nas instalações de pronto atendimento, as mulheres têm
menos probabilidade de receber analgésicos opioides que os homens. E elas
também recebem menos prescrição de outros analgésicos, ainda que os sintomas de
dores sejam os mesmos, segundo um estudo de 2024.
"O
nosso trabalho revela uma disparidade sexual sistemática na gestão das
dores", afirmam os autores do estudo.
"Uma
paciente que recebe alta do pronto atendimento tem probabilidade
significativamente menor de receber tratamento ao se queixar de dores, em
comparação com um paciente homem."
<><>O
círculo prejudicial do sexismo estrutural
Existem
muitas outras razões que tornam o sexismo estrutural tão prejudicial.
Patricia
Homan explica que ele restringe o acesso das mulheres a recursos essenciais de
promoção do bem-estar, como a autonomia e a remuneração justa. E também pode
aumentar sua exposição a experiências prejudiciais, como a violência doméstica,
ambientes de trabalho inseguros e estresse crônico.
E
existem também desvantagens para os homens.
O
sexismo estrutural pode fazer com que eles se beneficiem dos salários mais
altos e da menor quantidade de tarefas domésticas. Mas Homan explica que o
sexismo estrutural pode alimentar normas de masculinidade prejudiciais, que os
incentivam a correr riscos, praticar violência, abusar de substâncias e evitar
buscar assistência médica.
Nos
relacionamentos pessoais, seguir as normas tradicionais masculinas também traz
consequências negativas para os homens.
Uma
grande meta-análise que envolveu mais de 19 mil participantes concluiu que os
homens que adotam características como a dominação sobre as mulheres e a busca
de status e promiscuidade sexual são mais propensos a sofrer problemas de saúde
mental.
Os
autores afirmam que "o sexismo não é apenas uma injustiça social, mas
também traz consequências prejudiciais à saúde mental das pessoas que adotam
esse comportamento".
Em
outras palavras, a internalização de normas de gênero rígidas pode prejudicar a
saúde dos homens de forma duradoura.
O mesmo
sistema que oferece privilégios aos homens pode levá-los a sentir que precisam
confirmar uma versão irreal de masculinidade. E, se essa noção não for
cumprida, pode haver prejuízos para a sua saúde mental.
Além
disso, quando os homens se enfraquecem, pode haver prejuízos para as mulheres.
O desejo de poder e status, muitas vezes esperado dos homens, pode aumentar
diretamente o assédio sexual.
Diversos
experimentos concluíram que homens com histórico de se sentirem impotentes são
mais propensos a praticar comportamentos sexualmente perturbadores, quando
recebem poder temporariamente sobre outras pessoas.
<><>
Como incentivar a mudança
Para
buscar soluções, todos nós podemos fazer mudanças sociais e pessoais.
Os
responsáveis pelos jovens podem conversar com a próxima geração desde cedo
sobre o que é o comportamento adequado, para que eles tenham consciência dos
estereótipos de gênero e pressupostos sexistas. Isso é especialmente necessário
porque os estereótipos podem começar a ser impostos desde os três meses de
idade.
Os pais
também podem questionar deliberadamente os pressupostos sexistas em casa. Até
porque a "masculinidade hostil", que ocorre quando os homens
demonstram hostilidade em relação às mulheres, foi relacionada ao aumento de
casos de violência contra a mulher.
Em
termos de sociedade, decisões políticas podem ajudar a combater esses
desequilíbrios, como o oferecimento de licença-paternidade para todos os
trabalhadores, homens e mulheres.
Esta
medida foi implementada com sucesso em vários países nórdicos, onde uma
política remunerada de "use ou perca" aumentou a quantidade de homens
que tiram licença-paternidade.
Isso,
por sua vez, torna normal e valoriza o cuidado. E o maior apoio em casa ajuda a
fortalecer a relação das mulheres com o mercado de trabalho, limitando o
prejuízo financeiro.
Quando
os homens assumem maior responsabilidade em relação ao cuidado em casa, a
própria ideia do que é a masculinidade pode se alterar e evoluir ao longo do
tempo, passando a incluir o cuidado e o maior apoio às mulheres.
E
poderá até desenvolver um sentido diferente do que pode significar ser um
homem, gerando a chamada "masculinidade cuidadosa".
O
empoderamento das mulheres beneficia toda a sociedade, explica Homan. Afinal,
as mulheres no poder tendem a investir mais em assistência médica, saúde
pública, educação, bem-estar e programas de assistência social, que podem
melhorar a saúde da população em geral.
"Por
outro lado, o aumento do sexismo estrutural gera redução dos investimentos
públicos nestes setores, prejudicando a todos, incluindo os homens",
segundo ela.
Por
fim, falar abertamente sobre as consequências do sexismo pode ajudar a aumentar
a consciência sobre os riscos envolvidos.
Existem
evidências de que conversar sobre a discriminação é benéfica para a saúde
mental, pois pode gerar maior apoio. Mas, ao mesmo tempo, precisamos reconhecer
a onipresença estrutural desta questão e que as ações individuais não são
suficientes.
Atualmente,
as evidências ainda pintam um quadro grave sobre o quanto é preciso avançar
para que as mulheres vivam em um mundo onde se sintam não apenas seguras, mas
em que o sexismo estrutural entrincheirado não prejudique sua saúde.
Esta
mudança só será possível se mais pessoas deixarem claro o que está em jogo
nesta questão.
Fonte:
BBC News




